Praça São Pedro

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Programa Viva em Verdade

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

É Preciso Parar

É preciso parar

Autor: Luiz Fernandes L. Filho
Colaborador do Viva em Verdade
Original: 31/10/2010
Consagrado da Comun. Paz e Mel

No fim das meias estações, é possível observar um fenômeno que já intrigou muitos antigos cientistas, o chamado fenômeno de migração das aves. Existem aves migratórias como os “fuselos” (Limosa lapponica), que são capazes de voar, sem parar, cerca de um quarto da circunferência da terra, equivalente a 10.800 km, em um vôo de oito dias sem descanso. Sua capacidade de poupar o gasto de energia e de usar gotículas de água do ar para se hidratar são uns dos atributos que lhe possibilitam esta condição (Reis, 2007). Porém, apesar de toda essa capacidade, o fuselo precisa parar e ficar praticamente dois dias sem levantar vôo, imóvel, para se refazer do desgaste (Reis, 2007).
Irmãos, é assim que deve ser conosco, precisamos parar, seja na parada diária de alguns minutos, seja em paradas mais longas, como nas férias. No livro de Gêneses 2:2, lemos que “havendo Deus acabado a obra que fizera, descansou no sétimo dia”. Ainda em Gen. 1:31, “Deus contemplou toda sua obra, e viu que tudo era bom...” Sim!! Deus parou! E ao “avaliar” (como se fosse preciso), viu a perfeição de toda a sua obra. Assim também Jesus, ao viajar pela da região da Samaria, no evangelho de João, cap. 4, sentiu a necessidade de parar. A narração conta que “Jesus chegou a uma localidade da Samaria chamada Sicar...”, “ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço”. E desenrolou-se a bela passagem que conta o encontro de Jesus com a Samaritana, momento este que foi fruto de uma valorosa parada.
Pensar no que nos aconteceu durante as últimas 24 horas e pesar, avaliar e comparar isto com os acontecimentos do dia anterior nos é tão raro porque realmente não achamos que seja o mais importante (necessário). Enganosamente somos levados a crer que momentos sem palavras, sem ruídos, em que estamos com as mãos paradas e não nos movimentamos são momentos perdidos, improdutivos, e até mesmo de pecado (preguiça). Porém, tal pensamento nada mais é que uma demoníaca tentação, ou uma compreensão diminuída de si, que não considera a limitação fisiológica (neste caso, o limite mental); é uma idéia equivocada no que diz respeito ao fazer e realizar.
Acostumamo-nos a não parar... Crescemos assim! Deixamo-nos levar ora por causa do ritmo ditado pelo estilo de vida ocidental de nossos tempos, ora porque não queremos dar brecha a uma auto-reflexão que destruiria os nossos muros de proteção (mecanismos de defesa). Por isso, é tão é tão dolorido ao nosso corpo e dificultoso ao nosso cérebro pararmos para realizar uma adoração silenciosa ao santíssimo Sacramento. E quando o fazemos, fazemos de maneira sinuosa, com a atenção prejudicada, nos rendemos à menor excitação dos nossos sentidos, ao menor desconforto físico, às preocupações que não são urgentes (e mesmo que fossem, não seriam dignas de nota), diante do úicio que é Digno de toda nossa atenção.
Irmãos, a vida de oração também passa necessariamente por este retiro diário. Sem o silêncio, sem a prática de olhar para si, não podemos dizer que somos homens e mulheres de oração que buscam a santidade. São José Maria Escrivá nos dirá: “Se não és homem de oração, não acredito na retidão de tuas intenções quando dizes que trabalhas por Cristo.” (Caminho, n° 109). O mesmo santo ainda: “Santo sem oração, não acredito nessa santidade.” (Caminho, n° 107). A oração está intimamente relacionada com a parada, é um momento de intimidade com Deus, e, portanto, não deve ser vivida como os demais momentos do dia. Relacione-a com o momento de intimidade de um casal, momento especial, singular, querido por Deus, que, portanto, para o bem do casal, não pode ser vivido sem o cuidado e o respeito que lhe são peculiares. Sabe-se o quanto pode ser ruim para um casal viver estes momentos de intimidade de qualquer maneira, sem o devido zelo. Poderiam ficar bastante prejudicados o interesse pela relação (vontade) e o valor da vida íntima do casal. Esses prejuízos, somados a tantos outros males, poderiam ser ruína para os cônjuges.
É por esta razão que não podemos tratar o nosso encontro diário com Deus de qualquer modo. Fatalmente estaríamos nutrindo por nós mesmos uma relação superficial, desinteressada, longe de realmente nos importarmos com as necessidades primeiras do nosso ser. Se for assim, angústia, desesperança, depressão e a infelicidade são questão de tempo. "Conhecer a si mesmo é uma necessidade e um dever ao qual ninguém pode subtrair-se. O homem tem necessidade de saber quem é. Não pode viver se não descobre que sentido tem sua vida. Arrisca-se a ser infeliz, se não reconhecer sua dignidade." (Amarás o Senhor teu Deus - Amadeo Cencini - pág. 8 - Edições Paulinas).  A palavra nos lembra: “Quando fores orar, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, te recompensará” (Mt 6, 6 ). O Pai, “que vê o escondido”, vê não somente aquele que está escondido, mas também aquilo. O que os nossos olhos não conseguem enxergar o Pai é quem nos mostra. Os nossos limites estão aí para quem quiser vê-los, esbarramos neles, podemos vez ou outra ir além, por Graça, mas não tão além. Mas o Pai que sonda-nos e conhece-nos, vai além por nós. Quando silenciamos e pedimos a unção do Espírito de Deus em nossas vidas, é como se Senhor passasse por nossa alma, e percebesse minúcias, que a nós são imperceptíveis. É como se usasse um super microscópio de ultima geração. Expondo-nos as microimperfeições de nossa alma, o Senhor nos revela irregularidades, fragilidades, funcionalidades que jamais veríamos sem Ele, sem o auxílio da sua Graça.
É “visceral” à nossa alma que descubramo-la tal como ela é. O ânimo de nossa vida veio de Deus, e não encontra razão se não for nEle. As confissões de Santo Agostinho nos Lembram: “... Fizeste-nos para Ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em Ti...” Porém, às vezes, não somente por nossa culpa, e sim porque vivemos em um mundo decaído pelo pecado, e, portanto, sofreremos até o fim as marcas violentas do desprendimento a Deus por nossos primeiros pais (Adão e Eva). Antes mesmo de nascermos, ainda no ventre materno, herdamos incomensuráveis traumas que nos acompanharão em nossas vidas. Somam-se ainda, as imperfeições da nossa criação pelos nossos pais, as experiências traumáticas da infância e adolescência, as más referências de nossa trajetória, mais um tijolinho aqui e outro ali... E está montado o nosso ser que vai um dia se encontrar com a poderosa Verdade que é Jesus Cristo, o único Santo, irrepreensível, perfeito em tudo, o Deus gerado homem por Deus, homem em tudo, porém sem mancha e sem mácula. Esse encontro realizado é como um fenômeno cataclísmico, como uma grande explosão cósmica que extingue uma galáxia e dela gera uma nova galáxia, com novas atmosferas, novos planetas, novas estrelas, nova em tudo. O Papa Bento XVI falando aos jovens em Malta, em abril deste ano, diz: "Cada encontro pessoal com Jesus é uma experiência avassaladora de amor". Se conseguires pensar em uma realidade qualquer antes de um encontro com Cristo, verás que ela é completamente nova após a experiência com o Senhor. Após esse encontro podemos nos reconhecer à luz desse novo mundo, da nova realidade que é Jesus Cristo.
É bem verdade que existem momentos que podemos classificar de “especiais” em nossas vidas. Momentos em que, diariamente, é necessário um aporte maior de nossas horas para darmos vencimento de realizar uma “importante tarefa”, se assim pudermos classificar. A tarefa dos pais em proporcionar um adequado cuidado aos filhos na primeira infância, por exemplo, pode gerar um importante stress físico, gerar menor qualidade e privação do sono, déficit nas qualidades das refeições e outras situações, que podemos imaginar (ou aqueles que têm filhos relatar). Certamente, estas dificuldades, encurtariam o período para se realizar outras tarefas imprescindíveis e elementares de nossas rotinas. Há outras situações extraordinárias no ciclo de nossas vidas que gerariam as mesmas intempéries. Em uma dada época, trabalhar uma carga horária maior de 60 horas semanais para aquisição de um imóvel, associada a outras contas; conciliar faculdade, principalmente o trabalho de conclusão, com o emprego e outros afazeres; estudar para passar em um concurso público ou vestibular; preparativos para o casamento e uma série de situações que podemos verificar em nossas convivências trazem consigo um aumento na demanda de nosso tempo. Também é importante lembrar que, nós católicos, atuantes da nova evangelização, membros de comunidade, temos um acréscimo significativo de compromissos e deveres a serem conciliados com todas estas tarefas. Viver estes momentos com maturidade, esperança e junto à comunidade são a grande chave para suportá-los. Muitos nestes momentos não raras vezes abandonam a fé. Não porque estavam menos formados, mas talvez porque não olharam adequadamente para a realidade de sua pequenez. “Aquele, pois, que pensa estar em pé, cuida para que não caia” (1Co 10:12). Vivemos em um mundo que incentiva o hedonismo e reivindica a autoridade absoluta do homem de conduzir e decidir a própria vida, de viver independente de Deus. Como nos lembra a música de Daniel Souza: “O maior pecado é viver independente de Deus”. Estes subestimaram a parada diária com o Senhor e, por conseguinte, consigo. Que dá-nos perceber exatamente o lugar onde estamos e estimar o quanto falta para o lugar onde devemos estar. É a salutar tensão que aprendemos na busca da identidade ontológica: “o ser ideal alcançável” versus “o ser ideal impossível”, ou “o já possível” versus “o ainda não” (Amarás o Senhor teu Deus - Amadeo Ciencini – Ed. Paulinas). Só podemos avançar no “front de batalha” de nossa vida se observar e conhecer o inimigo que há em nós. Mais do que ser preciso parar, hoje, é perigoso não parar.
Meditemos: Salmo 127:1-2: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão do suor, pois assim dá Ele aos seus amados enquanto dormem.”


Luiz Fernandes L. Filho
Consagrado da Comunidade Paz e Mel - 2010-10-31

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